Legislando
sobre a calçada alheia.
As denominadas casas do povo
estão repletas de senhores alinhados, educados e engravatados. Preferem um
corte italiano ao alfaiate da esquina, sempre atarefado. Casas do povo, um
ambiente predominantemente masculino, poucas são as senhoras representantes do
povo, e quando avistadas podem exibir uma bolsa com etiquetas e marcas
internacionais. Com sapatos de salto fino caminham delicadamente, como se estivessem
caminhando sobre ovos. Estes homens e mulheres parecem ser seres épicos ou virtuais.
Não são vistos pelas ruas, preferem não ser vistos. Preferem a discrição de
usar carros fechados, com vidros peliculados. São pessoas simples que trabalham
em nome do povo e para o povo, nem usam um crachá, para manter em segredo sua
identidade, ou seus vínculos com alguma entidade. Usam um uniforme padrão: de
calça, paletó e gravata.
Não são vistos em pé tomando
um café no copo sujo do boteco da esquina, preferem um cafezinho bem tirado vertido
em xícaras fervidas e desinfetadas, servido por um copeiro uniformizado. São pessoas
simples que não querem holofotes e câmeras das emissoras marqueteiras e opressoras.
E para isto, tem seus próprios repórteres, suas câmeras e sua própria emissora,
que divulgam em canais fechados seus melhores ângulos, suas melhores ideias, e
seus melhores projetos. Tudo hermeticamente relatado e digitado, filmado e
editado. Parecem cientistas que imaginam e escrevem suas ideias em laboratórios
e depois testam na sociedade, para obterem os resultados esperados. Não obtendo
resultados retornam com suas ideias para serem melhores editadas e publicadas. Trocam
ideias e figurinhas entre os poderes públicos. Malotes de correspondência interna
atravessam as ruas.
Nas casas do povo, vivem trancafiados
em gabinetes subterrâneos, seus bunkers com provisões de cafezinho e água gelada.
O oxigênio e o ar respirável chegam aos bunkers subterrâneos através de dutos
de ar condicionado. Uma saída de emergência fica bem camuflada, na casamata
urbana, não se percebe junto ao estacionamento e na calçada. Notícias de fora
do bunker chegam pelo sistema de internet e pelos sistemas envelopados e protocolados.
Nunca abandonam a casa, ali
fazem suas refeições e ali mesmo são consultados e medicados. Possuem refeitórios
e consultórios próprios. Preferem não atrapalhar os cidadãos que precisam do
SUS. Buscam suas estratégias para não ocuparem lugar nas filas, entendem a
necessidade prioritária do povo. São pessoas éticas, incapazes de competir com
as senhas destinadas a população.
Em sessões ordinárias e extraordinárias
com coros parlamentares criam regras e leis sobre as calçadas. Com out dors espalhados pela cidade mostram
suas faces, afirmam que a calçada é do pedestre. Debruçados em mapas da cidade
traçam linhas nos seus mapas, alteram fluxos de rios e canais, carros e pessoas,
com as pontas dos seus lápis, ou canetas importadas. Magos com uma varinha na
mão mudando fluxos de energia, mão e contramão. Ou um maestro com uma batuta
orquestrando o povo e sua cidade.
Carros que exibem em suas laterais
administrações eficientes fazem manobras radicais sobre as calçadas. Veículos chamados
popularmente de carros fumacê circulam sobre as calçadas dando a entender que sejam
manobras protocolares de defumação da cidade.
Criam regras e leis para as
calçadas. Copiam ideias universais e aprovam emendas. Mas em suas próprias calçadas
todas remendadas, não respeitam suas regras criadas e aprovadas. Suas calçadas
estão cheias de carros estacionados que não respeitam as simbologias pintadas, horizontais
e verticais.
A casa do povo esta nas
ruas. Quando o povo quer se manifestar é nas ruas que expõe a sua voz. Diante de
calamidades é na rua que acontecem as concentrações de socorro e emergência. São
nas ruas que são tomadas as decisões, em casos de guerra ou de paz, em casos de
festas ou catástrofes, ameaças coletivas ou individuais. O saber, o conhecimento
e o poder estão nas ruas. Se o poder emana do povo, também emana das ruas.
Todo artista tem que ir
aonde o povo esta, e administrar um espaço público: um condomínio ou uma praça,
uma cidade, um estado ou um pais, é uma arte. E nem todos são artistas,
dedicados e vocacionados. São eleitos ou premiados, e tal como confeitos não suportam
chuvas e vozes torrenciais.
28/04/15
Entre Natal/RN e
Parnamirim/RN
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